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1984: setenta anos atrás, George Orwell compreendia o homem do futuro e revelava um apocalipse.

Eu nasci em 1984.


Sou de Peixes e tenho rinite; espiritualmente falando, estas duas características possuem sentidos que me definem bastante.


Mas a relação entre o ano de meu nascimento e a obra-prima de George Orwell fala tanto sobre mim quanto meu signo e minhas alergias.


Mas, mais que isso: fala sobre nossa realidade.


Na foto, uma versão de colecionador do livro acima, e uma representação em HQ da obra, logo abaixo.


Jamais me esqueço do gênio Umberto Eco:


"A internet deu voz aos idiotas".


Nos últimos anos, lidamos com o conhecimento e a informação de uma forma estranha, mesmo maldosa: o não-conhecimento é tratado como liberdade. Informação é apenas aquilo que atende às nossas necessidades, e não ao fato de fato.


Uma relativização tendenciosa, que sacia fundamentalismos íntimos. A realidade à nossa volta é incapaz de convencer a racionalidade e humanidade daqueles que apenas querem confirmar seus entendimentos acima de qualquer fundamentação sadia.


Eu, como jornalista por formação, particularmente acompanho isso de maneira triste. O desprezo deliberado do saber, a não ser que este suposto saber alimente nossos pré-conceitos oriundos de profundezas falsamente morais. A sabedoria é adaptada àquilo que convém, sob um mentiroso pretexto de liberdade, de liberdade de expressão, de libertação.


Nos últimos tempos, há quem se sinta imantado por uma aura visionária que tudo vê além da "mentira" que supostamente nos é entregue, numa intencional falsa analogia à pílula vermelha de Matrix. Uma expressão nociva do ego, como explica Eckhart Tolle em suas obras, que suprime evidências e potencializa a abençoada ignorância fantasiada de iluminação ou reforma íntima.


Carl Sagan já disse:


"Não é possível convencer um fundamentalista de coisa alguma, pois suas crenças não se baseiam em evidências; baseiam-se numa profunda necessidade de acreditar."


1894 é de uma atualidade messiânica, eu diria. Mas, assim como diversas obras humanistas, foi adaptado ao tal fundamentalismo deliberadamente anacrônico e usado como afirmação e prova de pensamentos e teses contra as quais George Orwell lutava em seus escritos.


Hoje, trocamos o conhecimento pelo conflito e pela deslegitimação do saber embasado no olhar profundo da natureza humana; preferimos o belicismo das palavras à perspectiva analítica que a sabedoria alimenta. O próprio não-conhecer e o não-saber é tido como liberdade, como voz a favor de uma suposta realidade que nos teria sido escondida.


Não ter conhecimento e sabedoria é o próprio conhecimento e sabedoria para quem quer profundamente que seu distópico universo interior seja compulsoriamente o universo exterior de todos: paradoxo incompreensível.


"Se a educação não for libertadora, o sonho do oprimido é se tornar o opressor".


Paulo Freire ensinava que libertação se baseia em humanismo, em caridade e amor coletivo, compreensão do outro, independentemente do viés ideológico, pois entendia que, à medida que se consome conteúdos de qualidade edificante, naturalmente o ser se reforma, e passa a ser abnegado, altruísta, empático, capaz de entender as novas perspectivas que se abrem com o desenvolvimento da humanidade, dando ao cidadão mais subsídios para realmente lutar por inclusão, aceitação do diferente, tolerância.


Entretanto, neste sentido, não há como não lembrar do Paradoxo da Tolerância, de Karl Popper:


"A tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da tolerância. Se estendermos a tolerância ilimitada mesmo aos intolerantes, e se não estivermos preparados para defender a sociedade tolerante do assalto da intolerância, então, os tolerantes serão destruídos e a tolerância com eles."


A intolerância é enfrentada com argumentos, segundo o filósofo; tais argumentos se baseiam no estudo, no conhecimento profundo e, consequentemente, no saber oriundo disso.


Vale citar Rudolf Steiner, desenvolvedor do Método Waldorf:


"Com clareza, o ser humano só vê no mundo exterior o que consegue irradiar com a luz de seu interior."


Enfim, a obra de George Orwell está ai para que compreendamos o quanto a opressão dos diferentes nos transforma no próprio Grande Irmão. Quantas e quantas vezes ouvimos na nossa vida que a única ferramenta verdadeiramente capaz de nos transformar em pessoas melhores era a educação. Pois bem, ocorre que hoje estamos lutando contra a educação por acreditar que isso é a sabedoria em si, e, assim, estaríamos libertados das amarras que nos impediram de sermos grandes por tanto tempo.


Hoje, "desqualifica-se o pensamento contrário, insulta-o, usa-se contra ele todo o repertório de falácias listadas pela lógica", desqualifica-se com mentiras a informação de qualidade. Abusa-se da heurística, o argumento desleal, a violência verbal, a ofensa humana, como alicerce para justificar-se o fundamentalismo sobre o qual falei antes. Adapta-se o conhecimento e o saber ao que convém ao argumento maldoso e ofensivo, e isto é tratado como liberdade.


Pensar com humanismo, hoje, é ignorância.


“Onde a ignorância é uma benção é loucura ser sábio”, disse o poeta Thomas Gray.

Nenhuma frase poderia definir melhor 1984; nenhuma frase poderia definir melhor o momento que vivemos hoje.


A obra de George Orwell, em 1984, em livro e HQ.

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