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Prólogo do triste fim de um sujeito qualquer sob a caneta e o papel; uma crônica somente

- Olhe para si mesmo - digo-me - Apenas olhe; se olhe. Ora; que fim, que fim desprezível.


O cinza do céu se fortalece à chuva que cai.


Um devaneio ausente de vida, taciturno, repleto de névoas.


A garoa endurece.


Firmamento que reflete o estado de espírito de um lugar, de pessoas. Ostracismo. Uma música sorumbática toca num ponto qualquer, e o trovão ao fundo reverbera seu poder.


Na alma, não se goza a vida; há apenas um existir de obrigação, ausente de sentido, ausente de significação. Aleatório, ocasional.


Sob esse céu, o espírito aniquila-se.


Cada gota que choca-se contra o chão é um ruído que retumba no âmago: às vezes é um convite à reclusão, à candura; sob o tal céu lúgubre, são projéteis lancinantes contra um corpo entregue à indiferença, ao vazio.


Românticos de Byron inspiram-se. Bebem na taverna do espírito caiado de arte, quando na verdade é apenas um ser entregue ao nada.


Vento que agride, gélido, a face desprotegida. Olhos entumecem-se, num amálgama de cansaço e dor, a reação física unida ao retrato de um imo seco.


Coração tolo.


Um ruído branco projeta-se de um lugar qualquer. Um escriba anônimo num canto escuro expressa-se em versos sem sentido.


Vida clandestina.


E trepida mais um rugido de um trovoar distante.


As vidraças tracejam rotas incongruentes de água escorrida, e lembram caminhos perdidos; acompanhar o seguir da gotícula rumo a lugar nenhum, findando-se, desfazendo-se, desmanchando-se, remete à existência física, que irá esboroar-se um dia sem que dela tenhamos clareza da real essência.


Crueldade. Tal qual o agora.


Levanta-se, vai-se, autônomo, automático. Simplesmente se vai, se segue. Os rostos, as faces ao lado denotam a incongruência, o paradoxo, a dissonância: perplexidade, anacronismo, automatismo. Um mundo sistemático, pragmático, paradigmático, onde a abstração, o abstracionismo é inútil, ora irrelevante. Pobre poeta; pobre ser pensante que pensa errado.


Chuva segue. O artista cria, ninguém entende.


Os sistemas, necessários, estruturantes, mantém-se, evoluem, prosseguem. Quais sistemas? Outra desarmonia, submetida e subjugada à interpretação, ao viés, ao interesse. Deveras complexos, deveras basilares, sempre opressores.


Engrossou a tormenta.


Nos confins da memória, abrem-se os baús velhos dos dias em que encharquei-me à chuva, em que sucumbi às náuseas, em que vaguei sozinho por ruas durante a madrugada, perdido em conflitos do íntimo, em questões sobre a subsistência, num fúnebre prazer pelo escuro misturado ao caos interno de uma guerra pelo sentido, pela compreensão, por clemência. Clemência de quem? De mim mesmo, dos outros? Nunca soube.


Quem lerá isso?


Quem lerá tudo isso?


O invisível? Esta foi a chama inspirativa. Já o ditou, já o leu.


De resto, não sei.


A chuva não para. Dentro de mim talvez jamais pare.


- Olhe para si mesmo - digo-me - Apenas olhe; se olhe. Ora; que fim, que fim desprezível.


"O cinza do céu se fortalece à chuva que cai. É um devaneio ausente de vida, taciturno, repleto de névoas."

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