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Um livro pela capa: expectativas externas, intimidades definitivas e as verdadeiras valências do ser

Atualizado: 15 de set. de 2022

Quando era criança, sempre fui péssimo em matemática. Tinha dificuldade para compreender a exatidão, os sistemas padronizados e definitivos. Eu cresci, e a vida me obrigou a lidar com exatidões, com fórmulas consagradas de coordenação, perfeição. Modelos para se viver conforme um sistema que era o adequado, que era o apropriado, que era o certo: um arquétipo definitivo e cabal, incapaz de ser alterado. Ser inábil para estabelecer-se dentro desta sistemática é causar um tremor, um desequilíbrio, que, dadas as condições estabelecidas nos anais do mundo contemporâneo, das sociedades hodiernas, significa fracasso.

Eu escrevo. Faço música. Música sensorial. Vim de um universo onde isso é imaterial, é etéreo, é inconstante. Nada que fuja da própria essência da Arte: tratar e dar voz a inconstâncias do espírito. É o que sei fazer. É onde me sinto totalmente expressado, completamente nu, verdadeiro, real. É nisso que sou capaz de entregar tudo que sei fazer, meu dom puro. Quantas vezes me pergunto: qual a finalidade de um talento que não se ajusta às supostas necessidades do mundo moderno, do mundo socializante, dos ambientes relacionais que cultuam o estabelecimento, o ponto corretamente demarcado na curva evolutiva socialmente aceita, um padrão evolutivo baseado em normas e cânones materiais e de gradação social? De fato, esta é uma grande questão.

Como compreender Sucesso quando o seu sucesso não atende às demandas do Homem Integral no contexto das comunidades consumistas, apelativas, acumulativas, exibicionistas? Padrões e normas; arraigadas nas entranhas de nosso princípio vital, que nos impelem a repetir a sistemática atrasada do passado, um legado aos millenials como eu, nos levando a avaliar o outro segundo apenas as nossas normativas, tão ligadas ao material, à posse, às conquistas do estabelecimento social. Legado que normaliza o crescimento material como basilar, único e final. Prosperidade: ela somente existe caso estes aspectos definitivos de bem e ego sejam conquistados. E as vitórias do espírito se tornam bens pueris, superficiais e indiferentes. Elas nem mesmo são apontadas como conquistas, como sucesso. Pare e pense: quando você reflete sobre seu êxito, em sua conquista, quantas vezes aponta o prosperidade da natureza da consciência como algo digno do destaque absoluto, fundamental? A própria humildade que regeria tal avaliação nem mesmo surgiria, e as conquistas de sempre serão obviamente elencadas no topo: matéria e posicionamento.

Quando você olha para o outro, e este outro foge de sua padronização social: quase sempre ele é taxado, de alguma maneira, como fracassado, derrotado, inapropriado, deslocado. Foque-se em seus paradigmas, que diferem de pessoa para pessoa. Considerando isso, você é capaz de olhar o diferente e não o julgar, não o derrotar, caso ele não se adeque à sua sistemática, aos seus arquétipos, de glória, de triunfo?

Vivemos tempos em que as sublimações da alma são rigorosamente nada perante os ganhos do corpo, do ego, das posses. Um tipo de dever social não sincero nos impele a mentir, nas conversas onde se vangloria o status, que o que importa é o espiritual. Mas, no fundo, julgamos, criticamos, rebaixamos, quem não se adequa ao modelo de vitória humana definitivo, urgente no cerne egocêntrico da humanidade: brilhantura é quanto se tem na carteira, qual o valor de suas posses, quem você é nas mídias sociais, seus seguidores e admiradores alucinados.

Eu escrevo. Faço música. Música sensorial. Quem sou? Para o aprazimento social, absolutamente ninguém. As vitórias da minha consciência não importam no establishment. Mas assim sigo, lutando contra o câncer do ego – que ao mesmo tempo é uma fonte de aprendizado dolorosa porém perfeita em si. E sigo buscando me conectar com quem semeia o altruísmo, a benevolência, a empatia, capazes de valorizar o que realmente importa: aquilo que você semeia e colhe na senda da vida, e não quantos milhares, milhões arrecadou, quantos seguidores tem, qual seu destaque social, o quanto se massageia o ego de alguém.

Não julgue o livro pela capa. A obra mais bem acabada da vida é aquela que somente se observa na morte: o quanto se teve de sucesso na lapidação da alma.

Não se julga o pela capa; não se determina o sentimento de alguém baseado somente em nossas métricas.

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